quarta-feira, 6 de junho de 2012

A PRIMEIRA COMUNHÃO



                             
Padre Basílio, personalidade que teve importante participação decisiva para formação da religiosidade do povo de Taquaritinga do Norte, na década de 70 foi o responsável pela primeira comunhão de primeira comunhão. Embora o evento tenha sido de muita importância para minha vida, foi também um ato de sofrimento, medo e aprendizado.
Seu Pereira, conhecido como um grande empresário no ramo de cimento e tecelagem, todo ano doava tecidos para os pobres, foi o culpado. Tal culpa já perdoada, deveu-se ao seguinte fato: a quantidade de pano que ele dera-nos era suficiente para fazer roupa só para uma pessoa, mas como eu sou gêmeo, minha mãe queria que eu e minha irmã fizéssemos a primeira comunhão ao mesmo tempo. Daí encomendou a sua comadre que fizesse um vestido bem comprido para Maria e o que restasse fizesse uma calça e uma camisa para mim. A camisa, num concurso de moda, receberia nota dez, mas a calça: nem era curta nem comprida; ficou do joelho para baixo um palmo. Era pouco pano. Fato é que fiquei muito feio com ela. Melhor seria que não tivesse sido feito a primeira comunhão.
A cerimônia foi realizada na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Gravatá do Ibiapina. Era um dia de sol escaldante, a seca se fazia presente e o mundo estava cinzento. Os facheiros estavam quase secando e o mandacaru ainda não despontava sua flor. De verde só se via as folhas do pé de baraúna que ficava atrás das ruas de Gravatá do Ibiapina e dos avelós que faziam os corredores das estradas. Perto do açude Velho. O açude Novo estava seco.
Não se sabe o porquê de se fazer uma primeira comunhão naquele tempo. O aviso foi feito às pressas. Em poucos dias a notícia correu por todos os sítios próximos a Gravatá do Ibiapina. No dia marcado, havia meninos e meninas de todos os lugares: do Riacho Doce, do Bandeira, da Pororoca, do Jaburu, do Açudinho, do Ferraz. Além de Pedra Preta, Jerimum, Algodão, Situação, São Paul, Minguaiú. Era menino que não acabava mais.
A reunião foi marcada na casa de seu Brazinha, um homem muito educado e calado que morava em Gravatá e que tocava tuba, na banda Padre Ibiapina. Lá foi decidido pelo padre Basílio, que todos tirassem os sapatos. É que ninguém tem culpa de ter nascido pobre, ou seja, uns tinham sapatos e outros alpercatas. Assim, instalava-se o preconceito. Tirando os sapatos nos igualamos.
Ao sair da casa de seu Brazinha, me incumbiram de levar uma espécie de tocha. Ou até mesmo um cetro, daqueles que os atenienses usavam para se fazer presentes às reuniões.
O meu temor era me confessar. Minha mãe dizia-me que tinha de contar todos os pecados. Só que com 10 ou 12 anos de idade, não tinha pecado. Aí, foi que se complicou porque eu inventei muitos pecados: eu matava cangaceiro, cobra coral com estilingue, cegava onça com tiro de espingarda de chumbo e montava em burro bravo sem cabresto e não caia. A sorte foi que padre Basílio, sabendo que nós não devíamos a Deus, resolveu fazer uma confissão comunitária. Nesta, ele disse uma coisa que serve-me como baliza. Disse o padre: “Não façam nada escondido dos pais de vocês, pois dos seus pais, vocês conseguem esconder, mas não poderão jamais esconder de Deus.”.
Depois da comunhão fomos levados à casa paroquial. Lá, nos serviram muito café e muito bolo. O grande problema foi que eu para ficar com as mãos livres para o lanche entreguei minha vela a uma moça dos Bentos. Bento era uma família de muito prestígio em Gravatá do Ibiapina.
Nada demais com por isso. Ocorre que minha mãe tomara emprestada a fita que amarravam minha vela. Esta fita era uma espécie de relíquia. E me ordenou que eu tomasse conta e cuidasse da tal fita, pois tinha que devolvê-la a tia Lieta. Ocorre que quando terminei de tomar café, avistei a moça com uma vela toda quebrada e uma fita nova. Eu fiz um escândalo. Queria uma vela nova e certa, não uma vela torta e emendada. Deram-me uma vela nova, só que a fita também o era. Quando cheguei a casa é que me dei conta de que tinha cometido um pecado. Não trouxe de volta a fita emprestada. Como sofri por causa da fita. A vela foi doada a Nossa Senhora e a fita foi para as Barrocas. Hoje, deve estar bem encardida como a que eu usei na primeira comunhão.

 Antonio Martins de Farias


Nenhum comentário:

Postar um comentário