Padre Basílio, personalidade
que teve importante participação decisiva para formação da religiosidade do
povo de Taquaritinga do Norte, na década de 70 foi o responsável pela primeira
comunhão de primeira comunhão. Embora o evento tenha sido de muita importância
para minha vida, foi também um ato de sofrimento, medo e aprendizado.
Seu Pereira, conhecido
como um grande empresário no ramo de cimento e tecelagem, todo ano doava
tecidos para os pobres, foi o culpado. Tal culpa já perdoada, deveu-se ao
seguinte fato: a quantidade de pano que ele dera-nos era suficiente para fazer
roupa só para uma pessoa, mas como eu sou gêmeo, minha mãe queria que eu e
minha irmã fizéssemos a primeira comunhão ao mesmo tempo. Daí encomendou a sua
comadre que fizesse um vestido bem comprido para Maria e o que restasse fizesse
uma calça e uma camisa para mim. A camisa, num concurso de moda, receberia nota
dez, mas a calça: nem era curta nem comprida; ficou do joelho para baixo um
palmo. Era pouco pano. Fato é que fiquei muito feio com ela. Melhor seria que
não tivesse sido feito a primeira comunhão.
A cerimônia foi
realizada na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Gravatá do Ibiapina. Era
um dia de sol escaldante, a seca se fazia presente e o mundo estava cinzento.
Os facheiros estavam quase secando e o mandacaru ainda não despontava sua flor.
De verde só se via as folhas do pé de baraúna que ficava atrás das ruas de
Gravatá do Ibiapina e dos avelós que faziam os corredores das estradas. Perto
do açude Velho. O açude Novo estava seco.
Não se sabe o porquê
de se fazer uma primeira comunhão naquele tempo. O aviso foi feito às pressas.
Em poucos dias a notícia correu por todos os sítios próximos a Gravatá do
Ibiapina. No dia marcado, havia meninos e meninas de todos os lugares: do
Riacho Doce, do Bandeira, da Pororoca, do Jaburu, do Açudinho, do Ferraz. Além
de Pedra Preta, Jerimum, Algodão, Situação, São Paul, Minguaiú. Era menino que
não acabava mais.
A reunião foi
marcada na casa de seu Brazinha, um homem muito educado e calado que morava em
Gravatá e que tocava tuba, na banda Padre Ibiapina. Lá foi decidido pelo padre
Basílio, que todos tirassem os sapatos. É que ninguém tem culpa de ter nascido
pobre, ou seja, uns tinham sapatos e outros alpercatas. Assim, instalava-se o
preconceito. Tirando os sapatos nos igualamos.
Ao sair da casa
de seu Brazinha, me incumbiram de levar uma espécie de tocha. Ou até mesmo um
cetro, daqueles que os atenienses usavam para se fazer presentes às reuniões.
O meu temor era
me confessar. Minha mãe dizia-me que tinha de contar todos os pecados. Só que
com 10 ou 12 anos de idade, não tinha pecado. Aí, foi que se complicou porque
eu inventei muitos pecados: eu matava cangaceiro, cobra coral com estilingue,
cegava onça com tiro de espingarda de chumbo e montava em burro bravo sem
cabresto e não caia. A sorte foi que padre Basílio, sabendo que nós não
devíamos a Deus, resolveu fazer uma confissão comunitária. Nesta, ele disse uma
coisa que serve-me como baliza. Disse o padre: “Não façam nada escondido dos
pais de vocês, pois dos seus pais, vocês conseguem esconder, mas não poderão
jamais esconder de Deus.”.
Depois da
comunhão fomos levados à casa paroquial. Lá, nos serviram muito café e muito
bolo. O grande problema foi que eu para ficar com as mãos livres para o lanche
entreguei minha vela a uma moça dos Bentos. Bento era uma família de muito
prestígio em Gravatá do Ibiapina.
Nada demais com
por isso. Ocorre que minha mãe tomara emprestada a fita que amarravam minha
vela. Esta fita era uma espécie de relíquia. E me ordenou que eu tomasse conta
e cuidasse da tal fita, pois tinha que devolvê-la a tia Lieta. Ocorre que
quando terminei de tomar café, avistei a moça com uma vela toda quebrada e uma
fita nova. Eu fiz um escândalo. Queria uma vela nova e certa, não uma vela
torta e emendada. Deram-me uma vela nova, só que a fita também o era. Quando
cheguei a casa é que me dei conta de que tinha cometido um pecado. Não trouxe
de volta a fita emprestada. Como sofri por causa da fita. A vela foi doada a
Nossa Senhora e a fita foi para as Barrocas. Hoje, deve estar bem encardida
como a que eu usei na primeira comunhão.
Antonio Martins
de Farias
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