segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Feira de Santa Cruz do Capibaribe: uma escola.














Às cinco horas da manhã, acordávamos e depois de tomarmos um bom café feito pela mamãe nos dirigíamos ao roçado para buscar os animais. Neste momento, já se podia ver o galo de campina erguendo sua poupa escarlate, pousado nos galhos de imburana, em frente de casa, com seu trinado anunciando o nascer de um novo dia.
            Era segunda-feira, e precisávamos ir à feira de Santa Cruz do Capibaribe. Lá, comprávamos e vendíamos. Podiam ser ouvidas as estórias e as notícias do mundo. Era uma festa ir à Santa Cruz do Capibaribe e usufruir da sua feira, sua maior riqueza.
            Saíamos de Serra dos Bois, município de Taquaritinga do Norte. Pelo caminho íamos encontrando outras pessoas de Serra dos Bois, de Pedra Preta, do Jerimum,
Minguaiú, da Fazenda Boa Vista, da Maniçoba, da Baraúna Furada e de outros cantos e recantos da vida campesina. Em fim, quando se chegava à vila do Algodão já não era mais um ajuntamento de pessoas, mas uma espécie procissão. Muita gente: umas pessoas iam a cavalos, outras montadas em jumentos e muitas a pé. Sebastião Honorato, em seu jumento com uma carga de vassouras de macambira, dava uma nova paisagem do Alto de São Pedro.
Rebanho de gado, de ovelhas e de bodes; varas de porcos completavam a paisagem da viagem ou da festa a caminho da feira de Santa Cruz. Jumentos carregados com caçoares cheios de ovos e galinhas para serem vendidos na feira dava uma impressão de que tudo se resumia em dinheiro, em economia. Também burros, com suas cargas de milho, feijão e algodão, tudo a ser vendido, a fim de completar os recursos para as compras do que precisávamos nas bodegas e barracas da feira.
O Ressoar do sino da igreja chamando à missa celebrada por Pe. Zuzinha o povo estava chegando à Rua dos Pacas, onde uma senhora cujo nome era  Romana Pacas, na sua inocência e com sua saúde mental debilitada, xingava os meninos que, as escondidas, a chamavam por um apelido do qual ela não gostava.
A Rua Siqueira Campos se transformava numa espécie de hospedagem. Ali era onde os feirantes deixavam os animais despois de descarregados. E as selas e cangalhas eram guardadas nas casas dos amigos.
Os animais destinados à venda eram levados à feira do gado que ficava ao lado do açougue, às margens do Riacho da Tapera e depois foi transferida para bem longe do centro, mas bem perto da Casa das Mulheres Alegres, que de vez em quando invadiam a feira de gado e disputavam uma garrava de aguardente com os vaqueiros e homens do campo ávidos por momentos de prazer e de satisfação de custo baixo. As mulheres eram feias. Muitas jovens e outras já maduras ou envelhecidas pelo tempo e pelo desprezo que sociedade lhes impingia.
Terminada a compra e venda dos animais, voltava-se ao centro de Santa Cruz, que naquele tempo tinha como referência o Hotel de Dona Maria Duda, (parece que o nove verdadeiro deste hotel era O Sertanejo). Naquele hotel encontrava-se o sertanejo que trazia notícias da enchente do Rio Paraíba, sinalizando que o inverno estava se aproximando para o sofrido cariri pernambucano. Eram noticias orais vindas de Sumé, de Serra Branca, de São João do Cariri e do resto do sertão paraibano e demais regiões. Um verdadeiro centro de informações.
As reuniões, no dito hotel, serviam para a propositura dos acordos políticos. Muitas candidaturas a prefeito, a vereador de Taquaritinga do Norte, de Barra de São Miguel e cidades vizinhas foram decididas ali.
Terminado os momentos de encontros chegava-se à hora de fazer as compras. Neste tempo a feira se localizava na Rua Grande, debaixo do pé de gameleira. Ali também ficava a feira de frutas; de ferro, de enxada, de pás, de foices, de picaretas e todo tipo de ferramenta útil à vida do campo. Sobrava para os armazéns de Pedro Neves, de Braz de Lira e de outras pequenas bodegas a venda de açúcar, café e sabão em barra; além de carne seca. Os jornais que embrulhavam o sabão e as mercadorias acabavam servindo de instrumentos de leituras, muitos aproveitavam para ler uma boa leitura daquelas páginas que permaneciam intactas após sua serventia: papel de embrulho.
Os pães e as ararutas se compravam na padaria de Antonio Saturnino. No açougue se comprava carne de boi, de porco, de pode e  de carneiro e para os mais pobres sobrava  tripa de boi, apenas.
O No Beco do Padre ouvia-se o clamor daqueles que não tinham nada e pediam esmolas. O mesmo sino que ouvíamos à entrada da cidade ainda tocava chamando à missa de padre. Zuzinha. Ao som da velha difusora ouviam-se as recomendações das almas na missa. A lista de finados era grande e não terminava nunca.
Após as compras, quando o sol começava a morrer e com ele também o dia, começava-se a voltar para casa. Novamente, o caminho ficava cheio de gente, de jumentos, burros carregando as cargas ou a feira de cada família. Havia vários cheiros: de carne seca, de bacalhau, de carne fresca e de frutas, como banana, manga, jaca etc. Aquele monte de gente: uns contando o que ouviram, com o devido aumento e as mentiras também. Aos poucos as pessoas iam se separando e marcando novos encontros para próximas segundas-feiras.
Com o passar dos tempos os caminhões, os ônibus e os Toyotas substituíram os animais e a festa do caminho da feira perdeu um pouco de seu encanto, no entanto, continuou a mesma; os mesmos encontros, os mesmos fatos, como por exemplo, a lembrança daquele homem alto e muito magro que vendia alpercatas de couro gritando pela rua e os vendedores de folhetos cordel e de almanaque; além do vendedor de groselha com pão doce.  As pessoas continuaram os encontros, trocando saberes Assim, podemos concluir que a Feira de Santa Cruz do Capibaribe, num certo momento era uma verdadeira escola, uma difusora de saber e de conhecimento.

Antonio Martins de Farias