Imagem ilustrativa:
Nunca fui chegado às aventuras, entretanto assumo que tinha
uma tendência a desafios, ou gostava mesmo de sofrer. Por que? Porque acompanhava meu pai pelo mundo a fora,
em busca de novidades. Era minha fascinação e loucura. Não me conformava apenas
ouvi-lo contar os casos. Gostava de presenciar, sentir, ouvir e curtir in
loco os fatos e as estórias dos mais velhos e dos mais sábios.
Quando percebia que meu pai estava se arrumando pra viajar, eu
ficava por perto dele. De modo que ele pudesse ler meu pensamento e perguntasse
se ei queria acompanhá-lo. Quando isso acontecia à resposta era positiva. E lá
ia eu perguntar à mamãe se poderia ir. Ela, geralmente, dizia que era muito
arriscado, mas não se opunha a tal ideia. Desta forma corria para trocar de
roupa e dar início à viagem.
Meu pai, Hermes
Ludugero de Farias, gostava de passear além da conta. Em uma dessas andanças fomos parar em São João do Cariri,
especificamente no sítio Gravatá Mor. Depois fui ao Uruçu, terra de Alfredo
Gaudêncio e Zé Agripino.
Deste modo, saímos de Serra dos Bois a cavalo. Passamos pela
Cachoeira de seu Ismael. À noite, dormimos na fazenda Carro Quebrado, cuja
propriedade era do sogro de Aleixo Joaquim. De manhã, bem sedo, partimos ao
destino final de nossa viagem – a casa de meu avô, Ananias Idelfonso de
Queiroz.
Ao nos aproximamos nos defrontávamos com um grande
descampado e algumas casas. A primeira meu pai me explicou:
- “Tonho esta casa
era de tio Antonio da Costa; aquela à esquerda, de cor amarela, é de Antero,
marido de Ana. Esta a nossa direita é de Seviliano e aquela de taipa é Alice,
casada com Manoel Marcolino. Outra bem longe é de Ana de tio Esmerino.”.
Logo em frente, beirando um grande riacho,que parecia mais
um rio, me defrontei com outra residência: uma casa feita de tijolo e cal, que
chamamos de caliça. Ela pertencia ao tio
Laurindo, irmão de meu avô.
Logo à esquerda a gente começava a sentir o inebriante
cheiro da flor de mofumbo. O ar, no momento de nossa chegada, era composto por
um vento frio e gostoso. Além de uma temperatura amena. O Céu estava azul e com
poucas nuvens. Aquelas nuvens que pareciam um véu de noiva ou da cor da roupa
de primeira comunhão.
Aos poucos fui percebendo que estava perto da chegada, pois
o cavalo começou a reconhecer o caminho, quando não precisava mais de ser
guiado.
A primeira vista, depois de um pequeno riacho, foi à direita
um grande pé de baraúna e à frente uma casa grande. Tal casa foi feita em duas partes: uma de tijolo e outra de taipa. Meu
pai foi logo me dizendo:
- Chegamos meu filho. Esta é a casa de Madrinha Ana e
Padrinho Mateus.
Madrinha Ana e padrinho Mateus eram seus avós. Paramos na porta
da frente e fomos recebidos por tio Chico. Tio Chico, era solteiro. Só teve uma
namorada que por capricho do destino não deu em casamento. Contam que certo dia
ele levava um presente para a amada,mas o cavalo tropeçou, caiu e o presente se
quebrou. A namorada com raiva terminou o namoro e nunca mais meu tio arrumou
outro amor. Morreu solteiro não deixou herdeiro nem bens deste mundo.
Para chegarmos à casa do meu avô, a gente subia uma ladeira,
pequena, mas subia. A casa era de tijolo. Contava com uma sala, dois quartos,
duas portas e janelas. Completava-a uma sala de jantar. A cozinha e um pequeno
quarto de despejo.
O revezo, um cercadinho, formava uma espécie de chácara. Ali
se podia ver um pé de limão galego; um de pimenta malagueta e muito avelóz.
Dois barreiros e um tanque. À frente da casa a gente via um curral com mourão,
sinalizando que um dia teve gado. Só a lembrança, ficou.
Partimos para o Uruçu. Fomos direto à fazenda de Alfredo
Gaudêncio. Recebidos pelo seu dono, que estava numa rede e nela permaneceu. Só se levantando na hora do almoço, quando a casa
se encheu de gente. Tinha vaqueiro, amigos, trabalhadores de todo lugar, até
caixeiro viajante apareceu.
Papai foi lá agradecer o favor que a família Gaudêncio
prestara ao meu avô, quando ele sofrera um AVC, e levado para Serra dos Bois,
de ambulância. Era uma questão de cortesia e elegância agradecer tal feito.
Após o almoço, entramos num deserto, pois não era caminho, não era estrada nem vereda. Apenas
mato. Só que de repente chegamos à casa de tia Lia. Ela quando viu meu pai,
deu-lhe uma surra de carinho. Ela o batia com palmadas carinhosas e meu pai a
respeitava e sorria. Um momento de muita felicidade. Embora ela já se
encontrasse muito doente.
Dormimos no Uruçu. No dia seguinte retornamos para o sítio
Gravatá Mor, quando conheci tio Laurindo, irmão de meu avô. Ao ser apresentado
tomei-lhe à bênção. Tio Laurindo fez uma festa. Cutucou e brincou com meu pai,
do mesmo jeito que tia Lia praticara no
dia anterior.
Convidou-nos para entrar. Aí ele foi ao quarto e ao voltar
deu-me de presente. Uma moeda. Moeda
esta que a chamei de meus dois mil rés. Após os agradecimentos, achei por bem
pedir que meu pai a guardasse, afinal era em meu pai que depositava toda
confiança. Prontamente papai guardou minha riqueza.
Eu sonhava com aquela moeda poder ir a Gravatá do Ibiapina e
comprar caramelo ou cocada, na banca de Antonio Paca, no mercado publico todas às
sextas-feiras. Muito enganado estive.
Após uma boa conversa e um café partimos para São Domingos
do Cariri. Meu pai, no entanto, pediu desculpas por ter que seguir outro destino
ou rumo. Precisava passar ma casa de seu
Ananias Marcos, no Carro Quebrado. Ao chegarmos à fazenda Carro Quebrado arriamos
e mais café nos foi servido e depois de outro longo assunto, partimos
definitivamente para São Domingos do Cariri. Estranhei o um caminho que
tomamos, mas como criança não podia opinar. Pus-me calado até o sítio
Curralinho.
O desvio de rota não me assustava. Não era tão grande assim.
O que importava era voltar à Serra dos Bois e sedo ou mais tarde a gente seguia
o rumo certo.
Chegamos a uma casa grande, estilo chalé. Meio de taipa e
meio de tijolo. Umas senhoras nos receberam e em seguida sumiram. Não sei para
onde. Como a casa era muito grande não saber aonde as senhoras se esconderam.
Desmontamos, amarramos os cavalos e seu Ananias Marcos
entrou, numa grande sala à esquerda da sala principal, abriu uma gaveta enfiou um maço de dinheiro. Em
seguida pegou a imagem de Santa Quitéria e a beijou. Meu pai acompanhou.
Para não fazer feio, meu pai, sem minha autorização, sacou meus
dois mil rés, que tio Laurindo me dera há poucas horas e depositou-os na gaveta
de Santa Quitéria.
La se foi o sonho de comprar cocada por água abaixo. Que
raiva me invadiu. Quase não perdoava Santa Quitéria. Mas que culpa teve Santa
Quitéria se foi meu pai que deu o dinheiro que era meu?
Aqui presto uma homenagem à Santa Quitéria e lembro-me de um
dos muitos momentos que vivi na companhia de meu pai.,
Antonio Martins de Farias é Advogado e norte
taquaritinguense.