Perto
de Gravatá do Ibiapina existiu um cidadão chamado Amaro Traquino. Ele criava uma
vaca, uma porca, uma ovelha, uma cachorra. De cada espécie de animal ele criava
uma. Era uma miniatura da Arca de Noé.
Certa
ocasião sua cachorra deu cria e meu pai comprou dois filhotes de cão. Ambos nasceram
de cor preta. Ficava difícil de saber quem era quem. Um era a cara do outro. Um
filhote destinava-se ao Tio Nestor e o outro para nós. Em Serra dos Bois poucas
casas criavam cachorro. É que muita gente temia que tais animais matassem as
ovelhas e as cabras para comer. Somente lá em casa, na casa de Arnóbio e na
casa de tio Abidias tinha cão, cuja finalidade era espantar as raposas e os
gaviões para não comerem as galinhas e seus filhotes.
Meu
irmão, metido a esperto, trocou os balaios. O cãozinho que papai escolhera para
nós, foi para o balaio determinado para tio Nestor. Com o passar tos tempos o
cão de tio Nestor virou um cachorro esperto, caçador, latia muito: um verdadeiro
guardião da fazenda.
O
cão que ficou conosco não latia nem caçava. Só comia angu. Depois que descobriu
uma cachorra da fazenda Açude Novo não parava em casa. O nome dele era Leão. Só
fazendo jus a tal quando estava diante de um alguidar de angu.
Para
acabar com as visitas à fazenda
Açude Novo, foi preciso apelar ao seu João Cazé, velho tropeiro e contador de
magníficas estórias e causos. Com a mesma faca que cortava fumo de rolo, pegou
o cão e o castrou. Com o passar do tempo Leão já nem se lembrada da cachorra da
fazenda de seu Oliveira.
Meu
irmão e eu gostávamos de caçar. Só que não tínhamos cão nem gato, pois o
bichano que tinha lá em casa era muito bem tratado por dona Emília e por causa
disso não saia do pé do fogão.
Foi
tio Euclides, um amigo e caçador, que nos introduziu no mundo da caça. Ele
possuía os seguintes cães: Possi, Jacaré e Peixinho. Peixinho perdeu-se na
primeira noite que caçamos juntos na fazenda de seu Oliveira, precisamente na
Serra Lavrada. Possi e Jacaré morreram de velhos, porém caçando. Estes merecem
uma estatua numa praça a ser construída nas Barrocas.
Levávamos
nosso Leão à mata só para passar vergonha. Ele não servia nem para enganar às
Caiporas. Enfurecido com nosso cão, tio Euclides propor-nos o seguinte: quando
os meus cães acuarem um tamanduá nós o pegamos e jogamos em cima de Leão, só
assim ele cria coragem. Acordo feito. Acordo cumprido. Numa noite Jacaré acuou
tal bicho. Quando chegamos perto nos defrontamos com um grande tamanduá. Era na
serra das Gogóias. Conforme combinado jogamos o tamanduá em cima de Leão. Ele
gemeu, gemeu! E vendo que ia morrer, pegou o bicho, jogou para la para car. Em
poucos minutos o tamanduá estava morto. A partir desta noite Leão passou a ser um
cão caçador e morreu em virtude de uma bola dada não sei por quem, para quem
não sabe, a bola, é uma isca com veneno. Moral da história, Todos podem mudar
para melhor, mesmo através da dor e do sofrimento. E não devemos julgar
precipitadamente.
Vale
reconhecer que a cachorra de Abdon era natural do sítio Gavião de Frei Miguelhinho.
E foi levado à fazenda Açude Novo por intermédio de meu tio Lindolfo Ludugero,
como um presente de gratidão ao amigo Abdon Pereira da Silva, um dos maiores
vaqueiros da região.
Antonio Martins de
Farias é Advogado e norte taquaritinguense.