Em 24 de agosto de 2014, ao despertar me dei conta de
que há 60 anos morria, na cidade do Rio de Janeiro, o senhor Getúlio Dorneles
Vargas. Falecimento que ainda não se chegou a um denominador comum, pois uns
defendem que houve suicídio e outros acham que houve assassinato, atribuamos,
portanto, à história a tarefa de descobrir e explicar tal fato.
Depois do café, quando olhava as manchetes dos jornais
eletrônicos me deparei com alguns depoimentos de pessoas que naquela época eram
crianças ou jovens, mesmo assim lembravam-se do fato que mudou a historia da
política brasileira.
De Getulio Vargas, depois de tanto tempo, guardamos a
Carta Testamento, documento divulgado, cantado e vendido pelos repentistas nas
feiras das pequenas cidades do interior do Nordeste. Livros, filmes,
documentários e minisséries de TV formam um acervo enorme sobre o Pai dos
Pobres, como era carinhosamente chamado em minha terra.
Pois bem, minha memória quando criança em Serra dos
Bois, Taquaritinga do Norte, PE, guardou muitos fatos. Fatos ordinários e
extraordinários, marcando, grosso modo, nossas vidas. Nossas vidas porque tudo
que relatarei fez ou ainda faz parte do dia a dia de todos os moradores de
Serra dos Bois e, de certa forma, ainda nos trazem muitas boas lembranças.
É certo, que os acontecimentos de Serra dos Bois não mereceram
registros em papel, nem na TV e nem tão pouco em filmes ou em jornais. Mesmo
assim não se pode retirar-lhe importância. Têm àqueles fatos tanta importância
quanto os demais, afinal fazemos parte do mundo. Este mundo que Deus construiu
tão perfeito, que até hoje não temos explicação nem a data certa do início nem
do seu fim.
É truísmo afirmar que tudo que influencia nossa vida
pode fazer parte da história ou estória individual de cada um. Faz. Como exemplo,
temos muitos acontecimentos a relatar: a construção da igreja de nosso lugar; quando
o Coronel Lucena nos incentivava, mostrando que todo o sábado deveríamos
carregar pedra e fabricar tijolo. Além de comprar telhas para realçar a
grandeza do empreendimento. Com trabalho comunitário a igreja foi construída e,
hoje, é a referência de nosso lugar.
Serra dos Bois já pode ser considerada uma pequena
vila, fato previsto há muitos anos meu tio Lindolfo Ludugero de Farias, quando
em visita à Casa de Mãe Zita. E num de seus inesquecíveis diálogos ouvi:
- Antonio, cuida bem deste terreiro que um dia ele
será uma cidade.
Achei que não tinha nenhum fundamento o que tio
Lindolfo me dizia. Para perceber que eu estava errado, basta vê como é, hoje,
minha querida Serra dos Bois.
Assim minha reflexão volta-se à memória afetiva e
imaterial de diversos fatos e acontecimentos que presenciávamos ao logo do
tempo em Serra dos Bois.
Bastando lembrar-se dos sinais (marcas) com os quais
os moradores de Serra dos Bois marcavam ou ferravam seus animais. Antigamente cada
família tinha uma marca. O gado era
marcado com a marca do dono e outra do município, que se chamava “Ribeira”. Ao
pertencermos à Taquaritinga do Norte, todos os bovinos, equinos carregavam a
letra “T”, além da marca do seu respectivo dono.
Já ovinos e caprinos recebiam a marca a qual
chamávamos de “sinal”.
As ovelhas e cabras pertencentes à família de Joaquim
Lino assinava-se como segue: “Forquilha”, “Mossa”, “Levada” e “Meio Brinco”,
além do “Bico de Candeeiro”. Esses eram os mais comuns, embora existam outros
conforme a família ou a região.
Sabia-se de quem era o animal pelo sinal que ele
trazia em uma de suas pernas, geralmente à direita ou à esquerda. Tinha-se
também a marca de seu Oliveira, fazendeiro de Surubim e dono da fazenda Açude
Novo, nossa vizinha, que era uma forma de dois triângulos invertidos, bem na
anca dos animais.
Assim, entregava-se ao dono o bode que se engraçava por
uma cabra alheia; assim como um touro que se apaixonava por uma vaca que não
pertencia à fazenda de Aleixo Joaquim o a de Pedro Lino e Sancha.
Os sinais só se complicavam quando um ladrão qualquer resolvia
cortar as orelhas dos pobres animais, para confundir os seus verdadeiros donos.
Ladrões famosos, como o tão de Otaviano, de Santa Cruz
do Capibaribe. Ele chegou à boca da noite e pediu rancho na casa de Arnóbio.
Seu Otaviano, que se dizia mascate, fez-se amigo de todos os moradores de Serra
dos Bois. Chegando a vender fiado: brilhantina, espelho e pente, entre outras
miudezas, para enfeitar as moças e rapazes. Porém, certa noite de lua cheia, seu
Otaviano levou todas as ovelhas de Aleixo Joaquim e de Arnóbio. Chegando a
Santa Cruz as vendeu. Foi preso pelo delegado, mesmo negando o crime.
Os chocalhos formaram uma estória à parte. Certos
animais carregava um no pescoço. De longe, a gente ouvia aquele som de seus
badalos. Com o costume já se sabia de quem era o animal. Era a vaca de Sancha; o
jumento de Pedro Lino; as vacas de Adélia; as bestas de tio Manoel Ludugero; ou
as cabras dos franças.
Toda esta memória se foi. Era uma época gostosa de ser vivida. Havia
problemas, mas superamos todos, afinal estamos vivos. Triste é saber que se fôssemos
procurar onde estão os chocalhos? As camas de couro? As arupemas e os moinhos
de moer milho? E os pilões de pisar café? Não estão mais disponíveis estas coisas
tão importantes para ajudar aos jovens na construção de suas personalidades e construir
um Brasil mais justo e solidário.
Antonio Martins de Farias é Advogado e filho de
Taquaritinga do Norte.